O casamento de uma autista é errado?
Por Carol Patrocínio
Vou começar esse texto dizendo o óbvio: não sou especialista em autismo. Dito isso, explico que li muito sobre a síndrome e busquei entender como funciona a mente de uma pessoa autista. Há níveis de autismo, cada um reage de uma maneira aos estímulos externos e se desenvolve de forma diferente.
Na novela Amor à Vida, que se tornou um poço de absurdos, a personagem Linda, que é autista, se casou com um rapaz. Ele pediu sua mão aos pais, eles liberaram. Ele perguntou se ela queria casar com ele e teve de explicar o que era casamento. A explicação foi que era viver junto, como os pais dela, os exemplos que a garota tem. Ela disse sim. Quem não diria sim frente a essa promessa?
Mas o que isso diz sobre Linda? Nada. Qualquer criança quer ter o que vê nos pais. Os pais são perfeitos, os exemplos do que deve ser feito na idade adulta. Heróis. Crianças querem seguir os passos dos pais, ser como eles. Por quê? Porque são crianças felizes, que se sentem protegidas naquele ambiente e querem reproduzir o modelo. Simples.
Porém Linda não é mais criança, biologicamente. Linda é uma adulta incrivelmente bonita e sexy. Ainda assim não toma muitas decisões sozinha, se fecha para estímulos e não leva uma vida simples. Lidar com síndromes como o autismo não é fácil.
E o que isso diz sobre um homem que quer casar com uma mulher incapaz de tomar decisões? Muito! Ele diz que está apaixonado, claro, que a ama. Mas como é possível amar de maneira romântica uma pessoa que sequer é adulta? É como homens que casam com meninas de 13 anos. É abuso de menores. É errado.
Muitos homens sonham com mulheres submissas, que não tomam decisões sozinhas e que precisam deles para tudo. Muitos homens criam esse tipo de dependência em suas mulheres. Muitas mulheres são tão inseguras que acreditam que realmente não podem viver sem eles. Nesse ponto elas são chamadas de loucas, mas ninguém fala sobre o quão cruel é o que foi feito pelo homem.
Uma garota de 13 anos pode ser tão linda e sexy quanto a personagem Linda. E talvez seja até mais madura, psicologicamente, do que ela. Mas ainda assim é uma criança. Por mais que muita gente diga que as meninas de 13 anos sabem o que fazem, elas não sabem. Elas seguem o que veem todo mundo fazendo, espelham-se nos adultos que têm como exemplo. Assim como Linda, as meninas de 13 anos querem alcançar o exemplo de sucesso que têm por perto, seja ele qual for.
A novela mostrar o casamento de uma garota sem maturidade e um rapaz com funções mentais completamente normais – no padrão psiquiátrico da coisa – é um desserviço imenso. Ela abre precedentes, mostra que pessoas incapazes não são tão incapazes assim e as tornam vítima fácil para predadores sexuais.
O mundo não é tão horrível? Mas ele é tão maravilhoso? Esse cara, no mundo real, levaria Linda para sair com os amigos? Eles fariam viagens? Teriam filhos? Cuidariam juntos da casa? Ou vão morar para sempre na casa dos pais dela e ele teria roupa lavada e comida na mesa sempre? E teria tempo para seguir sua vida social? Como seria isso na vida real? E a vida sexual, como seria resolvida? Linda, como personagem mesmo, teria condições de decidir se quer ou não fazer sexo? Ou ela apenas faria porque isso deixaria o marido feliz? Ninguém pensou em quão abusivo isso poderia ser?
Há diferentes níveis de autismo. Há autistas que têm vidas totalmente iguais à sua e à minha, porém há outros, como Linda, que são diferentes e devem ter suas diferenças respeitadas. Nem todo mundo precisa ter uma vida romântica, nem todo mundo precisa casar e ter filhos para ser feliz. Nem todo mundo precisa seguir as regras impostas por uma sociedade que não pensa no indivíduo.
A Linda é uma metáfora, além de tudo, para milhares de meninas que ainda não estão maduras para decidir seu futuro e têm situações praticamente impostas em suas vidas. Elas poderiam dizer não? Claro! Mas não têm maturidade suficiente para isso.
No mundo real, o que menos precisamos é de desculpas para que mulheres tenham sua vida decidida por outras pessoas, seus corpos abusados sem que tenham condições de fazer uma escolha consciente e que tudo isso ainda seja naturalizado pela mídia. E o que autistas menos precisam é ter suas questões tratadas de forma tão leviana em uma novela de grande audiência.
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