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quinta-feira, 2 de agosto de 2012

Fungos e aquecimento global - Fernando Reinach


Nos últimos 200 anos, os humanos construíram uma sociedade que depende da energia barata e abundante presente nos combustíveis fósseis. Um deles é o carvão, resultado da acumulação de enormes quantidades de resíduos vegetais, há 300 milhões de anos, durante um período geológico chamado Carbonífero. Enquanto o carvão resultou do acúmulo de restos de florestas terrestres, o petróleo resulta do acúmulo de restos de plantas e animais marinhos. É dessas reservas não renováveis que vivemos.

Mas por que esse processo de formação e acúmulo de combustíveis fósseis deixou de acontecer há 300 milhões de anos? Um grupo de cientistas, analisando o genoma de mais de 30 fungos, descobriu que foi exatamente nessa época que a capacidade de degradar madeira surgiu entre os seres vivos; desde então, os restos vegetais passaram a ser reciclados nos ecossistemas. O processo de acumulação praticamente desapareceu e, com ele, a criação de grandes estoques de carvão.

Se você caminhar em uma floresta, verá que troncos de árvores mortas demoram para apodrecer. Por isso utilizamos madeira para construir móveis e casas. A madeira é resistente porque é composta por duas moléculas de difícil degradação (celulose e lignina), entrelaçadas em estruturas compactas e muito resistentes (a ligno-celulose). Somente alguns fungos têm enzimas capazes de degradar esse material e mesmo eles demoram anos para consumir um tronco ou a ligno-celulose presente numa folha de grama.

Nenhum vertebrado é capaz disso. Os poucos animais que retiram parte de seu alimento da ligno-celulose têm no seu sistema digestivo fungos capazes de degradar parcialmente a ligno-celulose. Como o processo é lento, vemos as vacas ruminando horas a fio, esperando que os fungos façam seu trabalho. Os fungos capazes de degradar ligno-celulose produzem uma grande quantidade de mais de cem enzimas distintas capazes de atacar os diversos tipos de ligações químicas presentes nesse material.

Para descobrir quando teria surgido a capacidade de degradar ligno-celulose, cientistas reconstruíram a árvore filogenética dos fungos capazes disso, com base na sequência do genoma de 31 espécies de fungos. Esse processo é semelhante ao utilizado para entender como aves e mamíferos se originaram dos répteis ou como os diferentes grupos de macacos estão relacionados ao homem e a seus ancestrais. Com isso é possível deduzir quando cada ramo surgiu e quais suas propriedades.

Da mesma forma que os cientistas determinaram a data em que os macacos passaram a andar de maneira ereta, foi possível determinar quando surgiram os primeiros fungos capazes de degradar ligno-celulose: no fim do Período Carbonífero, há 300 milhões de anos.

Lenta evolução. Essa descoberta sugere que durante quase 200 milhões de anos, do surgimento das plantas com ligno-celulose (provavelmente há 500 milhões de anos) até o dos fungos capazes de degradá-la, grande parte do material ligno-celulósico sintetizado pelas plantas não era degradado ou era degradado muito lentamente. Se você pudesse passear por uma floresta dessa época, encontraria, provavelmente, uma grande camada de folhas, troncos e outros restos de vegetais aguardando para serem enterrados e transformados em carvão. Foi o que provavelmente ocorreu durante o Carbonífero.

Mas essa enorme fonte de energia não ficaria disponível nos ecossistemas por muito tempo. Os primeiros fungos capazes de degradar ligno-celulose devem ter feito a festa e, desde então, os resíduos vegetais pararam de ser acumulados no planeta. O que foi enterrado e preservado nesta época se tornou as reservas de carvão que utilizamos hoje. Ao queimar essas reservas e liberar a energia contida nelas pudemos construir nossa sociedade industrial. Mas, ao liberar na atmosfera a enorme quantidade de carbono que estava sequestrada nos depósitos de carvão e petróleo, estamos provocando mudanças climáticas que talvez nos levem à extinção.

Não é interessante pensar que a sociedade que construímos nos últimos 200 anos só foi possível porque o processo de seleção natural demorou milhões de anos para produzir um fungo capaz de aproveitar a biomassa das primeiras florestas?

BIÓLOGO, MAIS INFORMAÇÕES: THE PALEOZOIC ORIGIN OF ENZYMATIC LIGNIN , DECOMPOSITION RECONSTRUCTED , FROM 31 FUNGAL GENOMES. SCIENCE, VOL. 336, PÁG. 1.715, 2012

ESTADÃO
02/08/2012

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