A morte do automóvel
Esse veículo tão maravilhoso quanto desastroso vai morrer no século 20!Eu poderia começar narrando que outro dia peguei meu carro para ir a um evento e fui rodando, rodando, até que no meio do caminho me dei conta de que havia cometido um erro fatal: não deveria ter ido no meu carro, deveria ter pegado um táxi, pois não ia achar estacionamento.
Já que estava a caminho, continuei, cheguei ao lugar do compromisso, e, como previa, não havia jeito de estacionar. Fui olhando as ruas em torno, e nada. Acabei voltando para minha casa, botei o carro na garagem, peguei um táxi e fui ao compromisso.
Mas posso começar esta crônica de outro modo, dizendo: minhas amadas irmãs, meus amados irmãos! Tive uma visão! Como São João na Ilha de Patmos, vi o Apocalipse! Eu vi a morte do automóvel! Esse veículo tão maravilhoso quanto desastroso vai morrer no século 20!
Quando Henry Ford descobriu a linha de montagem e começou a produzir carros em série, foi uma revolução. O indivíduo se afirmava, cada um poderia ter a sua máquina. Isso foi (perversamente) estupendo.
O que veio depois é que se transformou num beco sem saída: qualquer cidade de tamanho médio conhece os desesperadores congestionamentos. Ficamos duas, três, quatro horas presos dentro dos carros.
Aí a engenharia de trânsito entra em cena: mudam a mão das ruas, criam pistas só para ônibus e táxis, inventam metrôs subterrâneos e de superfície.
Lamento informar que não adiantará. A quantidade de carros jogados nas ruas é maior do que nossa capacidade de abrir ruas, metrôs, etc.
O que fazer, já que a indústria automobilística gera (e degenera) centenas de produtos e move a sociedade de consumo?
Na verdade, lhes digo: tudo é provisório. Nossas cidades ainda estão cheias de estátuas de generais a cavalo. Mas os generais não andam mais a cavalo como antigamente, não são eles que comandam o mundo, são os industriais que comandam e estão a cavaleiro dos generais.
Outro dia, vi o engenheiro italiano que inventou o carro que vira helicóptero: cria asas, mas precisa de uma pista de 50 metros para decolar. Portanto, no engarrafamento não funciona. E as ambulâncias continuam buzinando atrás da gente para poderem passar.
Pois lhe afianço: o automóvel chegou ao fim da própria estrada. O desenvolvimento o liquidou. A solução será criada. Qual, não sei! Transporte coletivo? Qual? Redesenho das cidades? Não sei. Mas o automóvel está morto e não sabe. É um veículo individualista, poluidor e se prolifera como barata.
Poderia propor aqui, como naquele filme Um dia de fúria, que todos colocassem fogo nos seus carros ou os deixassem apodrecer nas garagens. Mas não devo fazer isso. Temo que um dia haverá engarrafamento tão amplo e total que todos os habitantes das cidades, encurralados, sem poder sair para a frente ou para trás, sem poder se alimentar ou beber água, apodrecerão com seus veículos nas artérias enfartadas de nossas imensas e macabras cidades.
* Affonso Romano de Sant'anna*
Estado de Minas
17/06/2012
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